Texto previamente publicado no blog experimetal Pena de Santos (N. do A.)
Para o aprimoramento da nossa condição de seres humanos, um fator é essencial: a educação. Não estou falando aqui de cortesia, de polidez, mas sim do ato de educar, da instrução, do desenvolvimento das faculdades humanas. Para tal, criou-se uma entidade, uma instituição; a escola.
A escola (compreende-se aqui escola como ensino fundamental e médio) é encarregada de insuflar nas crianças valores, conhecimentos, espírito crítico e vontade de aprender. Esses elementos são essenciais para uma educação de verdade. Mas o que vemos hoje nessas escolas pode divergir um pouco desse ideal. Tomar-me-ei como exemplo, pois estudei em diversas escolas ao longo da minha infância. Tratarei apenas das situações mais marcantes, pois senão esgotaria a minha e a vossa paciência.
Minha primeira escola chamava-se Pixote e situava-se na Avenida Pinheiro Machado, próxima à Avenida Francisco Glicério. Lá permaneci na chamada "Pré-escola", onde, de modo "homeopático", se tem o primeiro contato com o aprendizado institucionalizado. A única coisa que me lembro é que não era dos meus afazeres preferidos. Uma das explicações dadas para tal comportamento foi a velocidade com que aprendi a ler e a escrever, concluindo, com minha ingênua mente pueril, que a escola não tinha, para mim, a menor utilidade.
Minha próxima experiência foi na Escola Presidente Kennedy, que ainda pode ser encontrada no mesmíssimo lugar onde a freqüentei (na avenida Francisco Glicério, entre as avenidas Pinheiro Machado e Bernardino de Campos). Lá estudei do "Pré" até a 4ª série e obtive muitas experiências proveitosas. Lembro-me até hoje quando, numa redação na 2ª ou na 3ª série, disse que o Sol era composto de "lava". Naquela ocasião não sabia que lava (ou magma) eram rochas em estado de fusão; muito menos que não era esse o caso do Sol, que se encontra no 5º estado da matéria (desculpem se errar os estados) - na época, só conhecia 3. A professora, ao corrigir meu erro, não se baseou em nenhum dos fatos aqui expostos e nem em qualquer outro dado científico. Foi além. Escreveu na minha redação: "É lava-roupa? Lava-louça? É larva". Fico até hoje imaginando o Astro Rei com infinitas minhoquinhas fosforescentes. Não acho um problema uma criança de 7/8 anos saber mais do que um adulto de 30/40 anos; isso é inevitável para qualquer criança que estude por mais de cinco minutos. O problema foi a arrogância da professora em corrigir uma coisa sem o menor conhecimento do assunto, e ainda sarcasticamente. É essa a postura de um professor?
Passei, então, a estudar no colégio Liceu Santista, que ficava na Rua Euclides da Cunha, próxima ao Canal 1 (quem conhece as ruas de Santos vê que a proximidade geográfica foi decisiva na escolha das escolas). Lá tive uma experiência nova - a disciplina Ensino Religioso. Além de não a considerar até hoje ensino religioso (o nome da disciplina deveria ser Ensino Católico, pois o termo religião tem uma abrangência muito maior do que essa), a professora conseguiu o meu repúdio pela matéria (o caso do meu irmão foi um pouco mais grave; tinha desprezo). Nessa aula, ao invés de trabalhar intelectualmente os dogmas, apresentar a Igreja de forma racional, mandava pintar e desenhar. Espera-se esse nível de dificuldade do Pré, não da 5ª, 6ª ou 7ª séries (anos em que lá estudei). Não vi nenhum estímulo ao que quer que fosse. Pergunto se é isso que o colégio entende por "fortalecer a identidade católica".
No final da 7ª série mudei de casa. Adivinhem? Na 8ª série, mudei de escola. Passei a estudar no Ateneu Santista (Carvalho de Mendonça, perto do Canal 2). Esse foi o ápice da degradação. Além de conviver com uma série de vândalos, tinha até um professor que, de certa forma, estimulava a marginalidade. Na gincana anual, que era a forma dos péssimos alunos conseguirem nota para passar de ano (belo método de avaliação do aprendizado!), cada grupo precisava ter um nome. Meus colegas de classe escolheram "Tô bolado". Ao invés do professor reprovar essa idéia, ajudou a disfarçar a clara alusão às drogas para fazer a vontade das "crianças". É isso que dá a história de aceitar qualquer besteira. As besteiras aumentam de tamanho.
Finalmente, no colegial, meus pais falaram que iam me mandar para a melhor escola de Santos (a preocupação com o vestibular motivou meu pai a tomar essa decisão). Cursei o Ensino Médio na Ponta da Praia (mais longe impossível do lugar onde morava), no colégio Universitas. Fui achando que o nível de dificuldade ia ser imenso, que ia demandar um esforço hercúleo para acompanhar o conteúdo ministrado pelos professores. Bem, não foi bem assim. Tive ótimos professores, mas errei ao exigir tanto de uma escola; não tinha aprendido ainda que escola não era lugar para estudar. O problema capital dessa escola não era sobre o conteúdo em si, mas a forma como era apresentado. A orientação política era acachapante. As aulas de História, ministradas por um atual político, eram permeadas de ideologias partidárias. Não acho ruim o professor demonstrar sua opinião sobre qualquer assunto que seja, mas deve-se tomar o cuidado com a forma com que é feito. Mostrar que suas opiniões são somente isso - opiniões. Esse tipo de cooptação é deveras reprovável.
O professor Mortimer J. Adler, em seu livro "A arte de ler", dedicou um capítulo inteiro ao sistema educacional americano da década de 30 e 40. Chama-se "A falência das escolas". Neste, demonstra sua preocupação ao constatar que "menos de 40% dos meninos e meninas entrevistados tinham lido um livro, ou qualquer trecho de um livro, nas duas semanas anteriores à entrevista", ou então que a leitura dos alunos "era lamentavelmente fraca e da pior e mais insignificante espécie. Os livros científicos nem entram em cogitação". Hoje, praticamente 70 anos depois, vemos pessoas que se orgulham de nunca ter lido um livro sequer. Estamos na era da "Pós-falência das escolas". Um aspecto interessante é que quanto maior o acesso à escola, pior se torna o ensino. Talvez sejam inversamente proporcionais. Talvez seja só coincidência.
Nas crianças está o germen do adulto. Devem ser cultivadas da melhor forma possível dentro e fora de casa. Devemos lutar pela melhoria do ensino para que os jovens possam usufruir dele, e não o contrário. Sem os alicerces, nada pode ser edificado; desmoronará como um castelo de cartas. Seja no ensino particular ou público (onde o nível é muitas vezes pior), devem ser atendidas as necessidades e estimuladas as potências. Não basta apenas corresponder aos mais fracos, mas a tarefa mais difícil é também necessária. Precisam atender aos anseios dos melhores para elevar sempre o nível intelecto-cultural do aluno, dos alunos e, conseqüentemente, do meio em que vivem.
Falar assim da educação é como chutar cachorro morto; pode até ser covardia, mas é para a todos lembrar que já está podre e fedendo.
Para o aprimoramento da nossa condição de seres humanos, um fator é essencial: a educação. Não estou falando aqui de cortesia, de polidez, mas sim do ato de educar, da instrução, do desenvolvimento das faculdades humanas. Para tal, criou-se uma entidade, uma instituição; a escola.
A escola (compreende-se aqui escola como ensino fundamental e médio) é encarregada de insuflar nas crianças valores, conhecimentos, espírito crítico e vontade de aprender. Esses elementos são essenciais para uma educação de verdade. Mas o que vemos hoje nessas escolas pode divergir um pouco desse ideal. Tomar-me-ei como exemplo, pois estudei em diversas escolas ao longo da minha infância. Tratarei apenas das situações mais marcantes, pois senão esgotaria a minha e a vossa paciência.
Minha primeira escola chamava-se Pixote e situava-se na Avenida Pinheiro Machado, próxima à Avenida Francisco Glicério. Lá permaneci na chamada "Pré-escola", onde, de modo "homeopático", se tem o primeiro contato com o aprendizado institucionalizado. A única coisa que me lembro é que não era dos meus afazeres preferidos. Uma das explicações dadas para tal comportamento foi a velocidade com que aprendi a ler e a escrever, concluindo, com minha ingênua mente pueril, que a escola não tinha, para mim, a menor utilidade.
Minha próxima experiência foi na Escola Presidente Kennedy, que ainda pode ser encontrada no mesmíssimo lugar onde a freqüentei (na avenida Francisco Glicério, entre as avenidas Pinheiro Machado e Bernardino de Campos). Lá estudei do "Pré" até a 4ª série e obtive muitas experiências proveitosas. Lembro-me até hoje quando, numa redação na 2ª ou na 3ª série, disse que o Sol era composto de "lava". Naquela ocasião não sabia que lava (ou magma) eram rochas em estado de fusão; muito menos que não era esse o caso do Sol, que se encontra no 5º estado da matéria (desculpem se errar os estados) - na época, só conhecia 3. A professora, ao corrigir meu erro, não se baseou em nenhum dos fatos aqui expostos e nem em qualquer outro dado científico. Foi além. Escreveu na minha redação: "É lava-roupa? Lava-louça? É larva". Fico até hoje imaginando o Astro Rei com infinitas minhoquinhas fosforescentes. Não acho um problema uma criança de 7/8 anos saber mais do que um adulto de 30/40 anos; isso é inevitável para qualquer criança que estude por mais de cinco minutos. O problema foi a arrogância da professora em corrigir uma coisa sem o menor conhecimento do assunto, e ainda sarcasticamente. É essa a postura de um professor?
Passei, então, a estudar no colégio Liceu Santista, que ficava na Rua Euclides da Cunha, próxima ao Canal 1 (quem conhece as ruas de Santos vê que a proximidade geográfica foi decisiva na escolha das escolas). Lá tive uma experiência nova - a disciplina Ensino Religioso. Além de não a considerar até hoje ensino religioso (o nome da disciplina deveria ser Ensino Católico, pois o termo religião tem uma abrangência muito maior do que essa), a professora conseguiu o meu repúdio pela matéria (o caso do meu irmão foi um pouco mais grave; tinha desprezo). Nessa aula, ao invés de trabalhar intelectualmente os dogmas, apresentar a Igreja de forma racional, mandava pintar e desenhar. Espera-se esse nível de dificuldade do Pré, não da 5ª, 6ª ou 7ª séries (anos em que lá estudei). Não vi nenhum estímulo ao que quer que fosse. Pergunto se é isso que o colégio entende por "fortalecer a identidade católica".
No final da 7ª série mudei de casa. Adivinhem? Na 8ª série, mudei de escola. Passei a estudar no Ateneu Santista (Carvalho de Mendonça, perto do Canal 2). Esse foi o ápice da degradação. Além de conviver com uma série de vândalos, tinha até um professor que, de certa forma, estimulava a marginalidade. Na gincana anual, que era a forma dos péssimos alunos conseguirem nota para passar de ano (belo método de avaliação do aprendizado!), cada grupo precisava ter um nome. Meus colegas de classe escolheram "Tô bolado". Ao invés do professor reprovar essa idéia, ajudou a disfarçar a clara alusão às drogas para fazer a vontade das "crianças". É isso que dá a história de aceitar qualquer besteira. As besteiras aumentam de tamanho.
Finalmente, no colegial, meus pais falaram que iam me mandar para a melhor escola de Santos (a preocupação com o vestibular motivou meu pai a tomar essa decisão). Cursei o Ensino Médio na Ponta da Praia (mais longe impossível do lugar onde morava), no colégio Universitas. Fui achando que o nível de dificuldade ia ser imenso, que ia demandar um esforço hercúleo para acompanhar o conteúdo ministrado pelos professores. Bem, não foi bem assim. Tive ótimos professores, mas errei ao exigir tanto de uma escola; não tinha aprendido ainda que escola não era lugar para estudar. O problema capital dessa escola não era sobre o conteúdo em si, mas a forma como era apresentado. A orientação política era acachapante. As aulas de História, ministradas por um atual político, eram permeadas de ideologias partidárias. Não acho ruim o professor demonstrar sua opinião sobre qualquer assunto que seja, mas deve-se tomar o cuidado com a forma com que é feito. Mostrar que suas opiniões são somente isso - opiniões. Esse tipo de cooptação é deveras reprovável.
O professor Mortimer J. Adler, em seu livro "A arte de ler", dedicou um capítulo inteiro ao sistema educacional americano da década de 30 e 40. Chama-se "A falência das escolas". Neste, demonstra sua preocupação ao constatar que "menos de 40% dos meninos e meninas entrevistados tinham lido um livro, ou qualquer trecho de um livro, nas duas semanas anteriores à entrevista", ou então que a leitura dos alunos "era lamentavelmente fraca e da pior e mais insignificante espécie. Os livros científicos nem entram em cogitação". Hoje, praticamente 70 anos depois, vemos pessoas que se orgulham de nunca ter lido um livro sequer. Estamos na era da "Pós-falência das escolas". Um aspecto interessante é que quanto maior o acesso à escola, pior se torna o ensino. Talvez sejam inversamente proporcionais. Talvez seja só coincidência.
Nas crianças está o germen do adulto. Devem ser cultivadas da melhor forma possível dentro e fora de casa. Devemos lutar pela melhoria do ensino para que os jovens possam usufruir dele, e não o contrário. Sem os alicerces, nada pode ser edificado; desmoronará como um castelo de cartas. Seja no ensino particular ou público (onde o nível é muitas vezes pior), devem ser atendidas as necessidades e estimuladas as potências. Não basta apenas corresponder aos mais fracos, mas a tarefa mais difícil é também necessária. Precisam atender aos anseios dos melhores para elevar sempre o nível intelecto-cultural do aluno, dos alunos e, conseqüentemente, do meio em que vivem.
Falar assim da educação é como chutar cachorro morto; pode até ser covardia, mas é para a todos lembrar que já está podre e fedendo.
2 comentários:
Olá, Marcelo! Você sumiu! Gostei do texto! E, claro, do tema!E vou aproveitar pra te dizer que comecei o mestrado em "Educação:História, Política e Sociedade", o que deixa a gente ainda pior: tanto se estuda e se discute sobre escola, mas as práticas não mudam muito... Ao menos com os estudos é possivel compreender por que é que pouco ou nada muda... a escola é um dos instrumentos da "REPRODUÇÃO", tão propalada por Bourdieu... Enfim, pelo menos a gente tenta refletir, promover reflexões, embora isso seja insuficiente...
Vê se aparece, viu? beijos!
Silvia
Bem.. eu te acompanhei em boa parte desses anos, um total de 6, pela sua conta.
Sobre o ensino religioso eu não o chamaria de "Ensino Católico". Também não é o nome mais adequado, mas sim "Ensino de Coisa Nenhuma".
Padeci do mesmo mal durante o pré-primário. A "tia" só me consolava dizendo que na primeira série eu poderia escrever mais. Escrevi mais, mas a caligrafia não melhorou grandes coisas.
Essa inabilidade da escola ensinar, que você mostrou com o texto, pode até não ser tão maléfica quanto parece. Ela não esgota seu tempo, não requer seu esforço e não o motiva: pelo menos sobra tempo para outras atividades. Pudemnos ler incontáveis livros, aprender outra língua, jogar RPG (eu acho isso educativo sim), entre outras coisas. Mas o que vale o tempo se não se sabe aproveitá-lo? Cadê a escola para ensinar o que é bom? E os pais? Porque são tão isentos de responsabilidade pela inoperância da educação?
Vou chegar num ponto: não adianta aumentar a carga da escola, não adianta dobrar um peso que se aproxima da nulidade. Nulidade em dobro não vale muito mais que nulidade. A reforma (que eu não consigo imaginar para o ensinos fundamental e médio, e que tento pensar para o superior) é iminente, mas antes de mudar, temos de saber "como" mudar. E acho que atualmente é essa a pergunta. Não porquê, não quando, não quem, e sim como. Se alguém conseguir responder isso, acho que já teremos superado o principal obstáculo em busca de uma educação decente.
Acho que me exaltei. Qualquer hora podemos conversar mais!
Grande abraço. Foi um excelente relato. :P
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