Qual a relação entre Direito e Justiça? Como entender essa relação que à primeira vista parece indispensável, mas é inacreditavelmente distante? Se a função do Direito é tornar factível ao ente humano perseguir o ideal de Justiça, como explicar tamanhos hiatos entre a chamada "administração" da Justiça e a própria Justiça? Mas afinal, o que é a Justiça? Como percebê-la, entendê-la, vivê-la?
Entendo que o ideal de Justiça esteja no equilíbrio. Entretanto, surge novamente a indagação: o que significa esse equilíbrio? Há equilíbrio quando uma parte leva mais do que lhe é devido? E quando leva menos?
Observei (o melhor que pude) que a idéia de equilíbrio sempre está presente, até mesmo quando há, na lesão, a voluntariedade dessa lesão: subsiste no lesado a esperança da compensação, seja ela divina/providencial ou mundana/terrena. Não há sacrifício sem se ter em vista uma compensação como retorno, mesmo que esse retorno não corresponda à realidade. Há, porém, um grande problema com essa expectativa: dificilmente o homem consegue entender a magnitude da atuação desse processo equilibrante do Universo, julgando que o mecanismo regulador do Cosmos somente tem lógica quando opera de uma maneira que ele possa compreender sem esforço (e que o beneficie no final). Dessa forma, muitas coisas "injustas" acontecem com as pessoas, pois a realidade, independente da vontade alheia, manter-se-á íntegra e coerente. Um exemplo simples ocorre em um assalto. O sujeito, além de não reagir, não se dá ao trabalho de compensar sua falta de coragem ou habilidade ou oportunidade levando seu caso às autoridades competentes. Ele espera ardentemente que haja a compensação cósmica: que seu desafeto sofra infinitas amarguras, decepções e sofrimentos. Esse mesmo sujeito, quando estiver novamente na mesma situação, seguramente irá praguejar e insultar toda a legião celeste, que foi "injusta" consigo. Um caso corriqueiro, que duvido causar perplexidade. Faltou à pobre vítima percepção para entender que, ao não fazer nada para mudar sua situação, acabou por conservá-la. A esperança de compensação foi, nesse caso, frustrada. Foi uma esperança inconsequente, depositada em forças que não as adequadas à resolução do seu problema. Prevaleceu a Justiça, que não deu ao infeliz o que ele não merecia. Enquanto isso, o ladrão se acha justificado, pois mais uma vez não sofreu a devida represália pelos seus atos.
Compreendi que equilíbrio seja a adequação ideal para as partes envolvidas. Isso fica claro quando exemplificado com questões patrimoniais: uma compra e venda simples pode (para não dizer "deve") ter seus preços ajustados pelos contratantes. “E se o preço for abusivo?”, alguém pode perguntar. Há que se levar em conta o quanto o objeto em questão realmente vale; para tanto, há que se treinar uma habilidade utilíssima e importantíssima: o equilíbrio no juízo de valores. Sem conhecer o valor das coisas, participamos da injustiça, aceitando, mesmo que tacitamente, injustiças. Só há Justiça quando há conhecimento; é impossível manter-se no reto caminho do bem sem saber o que se está fazendo. O ignorante, se faz algum bem, só o faz circunstancialmente, pois não tem capacidade para medir as consequências dos seus atos e palavras.
A importância do Direito Positivo é enorme: deveria ser a decodificação desses valores universais, exortando os cidadãos a fazer o bem e a serem melhores, indicando também como fazê-lo, porém os legisladores que o constituem só são legítimos para tanto no aspecto puramente formal, pois sofrem da mesma confusão que o restante da população. Enquanto não houver uma súbita melhora na mentalidade e moralidade nacionais, continuaremos a padecer da mesma sensação de injustiça, ainda mais porque estaremos contribuindo para que essa situação se agrave indefinidamente.